A noite veio. Davi entrou no prédio.
– Tira hoje aquela cadeira velha e quebrada do hall – disse a vizinha ao encontrá-lo em frente à caixa de correio. O prédio não tinha elevador.
Davi subiu devagar e cansado depositou a pasta sobre a mesa e o corpo sobre a poltrona.
– Saudades de você – disse Marcela no MSN.
– De você também – considerou Davi dizer mas não disse.
A louça foi lavada com o último fiapo de detergente da casa. Davi decidiu não comprar mais lasanha de espinafre. No micro-ondas não fica bom.
– Nada de espinafre fica bom – dissera sua mãe décadas atrás. Mães nunca dizem nada contra espinafre e afins. A sua dissera.
– Quando vou te encontrar de novo? - Continuou Marcela.
– Aqui no MSN?
– Em qualquer lugar.
Davi não estava pronto para aquela resposta. Davi se levantou da poltrona e no banheiro se sentou na privada. Enquanto isso Marcela digitava uma última mensagem:
– Te vejo amanhã se você quiser. A gente marca. Agora preciso ir. Beijos.
Quando Davi recolocou o laptop no colo Marcela já estava off-line há vários minutos. Davi se levantou e caminhou até a porta da casa. A cadeira estava velha e quebrada encostada na parede do hall do quarto andar do prédio em frente à porta do seu apartamento. Davi encostou a porta com cuidado para não ficar preso do lado de fora e ergueu a cadeira pela escada abaixo do prédio sem elevador. Desceu quatro andares até o térreo onde um botão lhe destrancou a porta da rua. Na calçada não havia ninguém mas havia um latão de entulho. Não havia ninguém e fazia muito escuro. Ninguém notou Davi lançar a cadeira com toda a sua força contra o tronco de uma árvore ao lado do latão de entulho até fazer da cadeira mil pedacinhos de jacarandá automaticamente transformados em entulho. Davi estava satisfeito por ter reduzido tão rápida e discretamente a cadeira a um nada com o qual nunca mais teria de se confrontar. Um sorriso lhe veio então porque estava feliz. O exercício lhe trouxe uma vivacidade esquecida desde a adolescência e suas bochechas ficaram vermelhas.
